
Leiamos uma entrevista dada pelo Senador Cristovam Buarque, ao Jornal Folha Dirigida On Line:
Folha Dirigida – No início do ano, o senhor enviou um ofício ao Presidente do senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), solicitando a discussão de algumas medidas de cunho educacional no Senado. Como está essa discussão?
Cristovam Buarque – Aquilo foi transformado em um seminário que estaremos completando até setembro no Senado. O problema é que eu mandei a mesma proposta para o ministro da Educação e nós não vemos nenhum interesse do Governo Federal em dar ênfase à Educação de Base. O governo Lula é um governo que coloca a educação em segundo lugar. O fundamental é a economia, como, aliás, é o que acontece com a maioria da população. Nós não damos importância à educação. Os pobres porque acham que a educação é um direito dos ricos. Eles desejam ter um carro, uma casa grande, mas não desejam ter para os filhos uma escola como a dos ricos. É como se não fosse um direito deles. E os ricos têm uma maneira míope de achar que educando seus filhos estará tudo resolvido. Não adianta educar seus filhos se o filho do vizinho não for. A pessoa sozinha numa ilha, por mais culta que seja, não é educada porque não tem com quem conversar, beneficiar-se das coisas, da convivência. Quando o governo coloca a educação em pauta é para atender às reivindicações do Ensino Superior, porque os reitores são formadores de opinião, os universitários votam, fazem manifestações. Criança não vota, não faz manifestação. Por isso este governo só trabalha pensando no imediato, não trabalha com estratégia, pensando a longo prazo.
Folha Dirigida – Como o senhor vê a crise ética que abate o Congresso atualmente e em especial atinge o presidente do Senado? De que forma isso atrapalha a discussão de projetos importantes?
Cristovam Buarque – Com estes atos de corrupção, passamos o tempo todo debatendo este assunto, e não o assunto Brasil. È um pouco como o PT, que debate mais a sua crise interna do que saídas para o país. Mas essa credibilidade não está abalada só por causa do Renan. Primeiro porque tivemos outros casos antes. Segundo porque enquanto tivermos um poder fraco e não tivermos a agenda do dia-a-dia sintonizada com as necessidades do povo, não seremos um poder de credibilidade.
Folha Dirigida – Mas os senadores ao menos se interessam por educação?
Cristovam Buarque – Não porque isso não dá votos. Não se ganha voto falando em Educação de Base. Mas eu estou a favor de uma onda que vai surgir daqui a 20 ou 30 anos em prol da educação. É como um surfista que vê uma onda lá atrás, não sabe se vai chegar nela, mas sabe que vai existir essa onda. O meu papel é de senador e abolicionista na educação, que eu chamo de educacionista. O educador é quem diz como vai ser uma boa escola. O educacionista diz como todas as escolas vão ser boas e iguais par todos. A riqueza daqui para a frente não está mais na mão-de-obra, mas nos operadores. Não serão mais os operários que gerarão renda, mas os operadores. O operário usa a mão, com pouca formação. O operador usa o dedo com muita formação. Se não tivermos operadores em quantidade no Brasil, preparados para usar a nova realidade científica e tecnológica, o país quebra. O capital do futuro é o conhecimento, não mais a terra. O problema é quanto o país vai pagar por ter acordado muito tarde. Outros países estão crescendo, e não apenas os ricos. Turquia, México, Costa Rica e Chile, por exemplo, estão superando de maneira radical no campo do conhecimento.
Folha Dirigida – Como primeiro ministro da Educação do governo Lula, como o senhor avalia os esforços da união para disseminar a educação no país?
Cristovam Buarque – Temos que dividir em duas partes: 2003 e depois de 2003. Quando eu fui ministro, iniciei uma campanha pela erradicação do analfabetismo, criei uma secretária especial para isso. E mostrei que era possível colocando um milhão e trezentos mil analfabetos em sala de aula. Em 2004, a secretaria foi fechada e o programa virou um simples programa de alfabetização, perdeu-se o vigor transformador, passou a se fazer como um serviço. Sobre a implantação do horário integral em todas as escolas, que eu considero a meta principal neste esforço comecei em 29 cidades. Todas as escolas destas cidades seriam derrubadas para se construírem outras. Íamos fazer um concurso nacional para escolher os professores, que ganhariam um salário alto. Estases colas seriam equipadas, mas em 2004, isso parou. Deixei dinheiro no orçamento de 2004 para mais 155 cidades, mas ele foi transferido para outra finalidade. Eu mandei cerca de 30 projetos de lei para a Casa Civil na época, mas todos morreram lá e agora estão voltando. O Próprio Programa Universidade para Todos, o ProUni, foi feito na minha época, com um outro nome, Programa de Apoio ao Estudante. Esse negócio de dizer que é para todos é mentira – é só para quem termina o Ensino Médio. E dois terços dos alunos não terminam. Na minha proposta, o aluno formado pelo ProUni teria que ser alfabetizador de adultos durante, pelo menos, um semestre. Com isso, o dinheiro que ia para a formação do aluno, iria também para a formação do analfabeto. Mas isso morreu porque a União Nacional dos Estudantes (UNE) e os sindicatos pressionaram o governo. Se os jovens tivessem que alfabetizar, não iam votar em quem criou o ProUni. Ao dar de presente, eleitoralmente foi mais inteligente. E o governo Lula se rege pelo eleitoralismo.
Folha Dirigida – No ano passado, os reitores das universidades federais assinaram um manifesto de apoio às políticas educacionais do governo às vésperas do segundo turno da eleição presidencial.
Cristovam Buarque – Mas o apoio não foi às políticas para as universidades federais, ao fato de o governo colocar mais dinheiro no Ensino Superior. Isso não é gestão, é prioridade, e não vai melhorar a educação no país. A educação universitária não será boa num país onde só um terço dos alunos terminam o Ensino Médio. Além disso, deste contingente, metade tem uma formação muito deficiente e a outra metade mediana. A universidade é muito corporativa. Se ela puder pegar todo o dinheiro referente à educação e deixar zero para a Educação de Base, vai fazer. Na minha época de reitor já era assim. O governo é que tem que mudar. A culpa não é do reitor. Qual o dirigente que vai dizer que tem R$ 1000 milhões sobrando para a educação básica? Até porque ele vai precisar deste dinheiro, não tem sobrando nunca. Vem daí a minha defesa de que o MEC tem que se dividir em dois. Ministério da Educação Superior e Ministério da Educação de Base. Enquanto isso não acontecer, só quem se beneficia é o Ensino Superior. A Educação Básica fica relegada a segundo plano.
Folha Dirigida – Entre as propostas apresentadas pelo senhor no Senado estão temas como a instituição de conteúdos mínimos para a Educação Básica, da biblioteca do professor e a realização de um recenseamento escolar das crianças de até cinco anos. Fale um pouco destes projetos.
Cristovam Buarque – Praticamente todos eu fiz quando fui ministro da educação, como já existe o Sistema Único de Saúde. Hoje, no Brasil, cada prefeito faz o que quer na área, mas tem que ter o mínimo. A criança de cada município tem que saber o mínimo de História, Aritmética. Os currículos não são cumpridos porque não existem leis, metas e uma lei de responsabilidade educacional. Além disso, existem diretrizes gerais, mas não existe um conteúdo mínimo a ser ensinado nas escolas. Por isso 54% das crianças não sabem ler quando chegam na 4ª série. Se uma criança não aprende, a culpa é dela e da família, mas se 54% não aprendem, a culpa é do prefeito. Já a questão da biblioteca do professor é doar livros anualmente, ao docente. O governo apresenta uma lista de livros e eles escolhem dois ou três que querem receber gratuitamente. Ainda é muito pouco, mas dá para começar. O programa de livros didáticos para os alunos doa 100 milhões de livros por ano. Se doarmos para os professores, vai ser muito menos, mas vai fazer uma diferença grande. Um professor que lê vai estar muito melhor preparado. Quando eu era ministro, comecei o recenseamento e treinei 30 mil recenseadores. A idéia é saber quantas crianças estão fora da escola e ir atrás delas. Ainda temos 1,5 milhão de crianças que não estão matriculadas. Não são apenas 5% do total das crianças, mas 1,5 milhão. Elas têm nome, identidade. Eu proponho que seja criado um cartão com as informações da criança na escola, as notas que ela tira, o seu desempenho, para que o Presidente da República, o Governador e o Prefeito saibam como essa criança está indo na escola.
Folha Dirigida – Como funcionaria a lei de responsabilidade educacional?
Cristovam Buarque – Quando pensamos em levar adiante a federalização da educação, que é o que eu defendo, vai ser preciso que o país defina metas para cada prefeito cumprir. E havendo metas, tem que haver punição para quem não cumprir, que deve ficar inelegível. Mesmo que os governantes priorizassem a educação, não se estabelecem metas. Por exemplo: o governante pode estabelecer que vai erradicar o analfabetismo ou implantar o regime integral nas escolas. Mas, se não disser em quantos anos, ele não tem metas a cumprir. Quando for federalizado, é o governo federal quem vai definir estas metas. Alguns prefeitos gostam de educação, fazem milagre em prol dela, mas a maior parte considera a educação um serviço, uma obrigação, não um instrumento de transformação social. A saúde por exemplo, é um serviço importantíssimo, mas que não transforma as pessoas.
Folha Dirigida – É discutida, em Brasília, a criação de Piso Nacional para a Educação. O senhor considera o projeto positivo?
Cristovam Buarque – Este projeto começou em 2003, quando eu era ministro. Não foi para frente. E, quando voltei ao Senado, dei entrada novamente. Aí o governo passa por cima e apresenta o dele. O projeto é bom, mas falta dizer que o piso, de R$ 1.100, é o primeiro passo para chegar a R$ 4.000 em dez anos. Mas o piso que é colocado, e foi o mesmo que eu coloquei, ainda é muito baixo. Na minha época ainda era maior, já que três anos atrás, com a inflação, estaria maior que hoje. Falta na proposta do governo colocar este aumento na frente. Com um piso de R$ 1.100, os melhores jovens que se formam não vão querer atuar como professores. Enquanto for assim, não vai existir boa educação no país.
Transcrito da Folha Dirigida On Line
Data de Publicação: 31/08/2007
Matéria de: Bruno Vaz